“Em sonhos de lapsos gramaticais, numa fugaz inspiração, tecemos palavras que são apenas noite, mas acreditamos numa pura e bela ilusão, tatear o significado da luz. Portanto, na distância silenciosa de uma palavra para a outra é que adormece a verdadeira poesia. Intocável. O que aqui temos são apenas vultos, uma adestração da palavra escrita; a fala, a voz dessas entidades adormece em algum lugar ao qual chamo de “Absurdo”, e é no tormento desse sono que me mantenho lúcido para que em horas de acaso ligeiro eu possa captar alguns sinais de vida, dessa tão ordinária sensação poética” .

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

- Poesias -

                                                                 DESPEDIDA


         
Já não estamos mais aqui
No sal da nuca a memória cristalizada lambe a ultima lembrança

Sombras iluminam a afável imagem da infância
Já não estamos mais aqui

Na ecdise das recordações uma paisagem alucina em maré os olhos
Já não estamos mais aqui...

Traças embaralham caminhos e destinos nos amigos de retrato

O álbum da vida envelhece os mais jovens e infantiliza os mais velhos
A vida que quer começar aguarda a vida que não quer acabar

 Já não estamos mais aqui

Por vez vestimos o mesmo nome
Mas a face tem outras medidas

Chegamos sem nunca ter saído
Um lugar no absurdo nos acena numa espermática intimidade  

Já não estamos mais aqui

Os nomes se decompõem nas rugas dos lábios
Que trêmulos ainda rogam por nós

 Mas já não estamos mais aqui...

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Noites de Celulose



Nas noites de celulose meus olhos de cupim rastejam em fuga
O peso da luz na evidência cega das retinas borbulha em escuridão

A alvorada dos fótons
Tão mais escura do que o nome da cor
Venci a quitina e fecunda na carne crua um inseto

Um coração vermiforme pulsa no peito o altruísmo da colônia
Seus feromônios ardem, suor, amor, ódio, mais do que a si mesmo:

O peito seco na noite de celulose em chamas
A vida na revoada dos cristos
E as aleluias incrédulas do albor adormecem aladas...

A dor das estrelas ilumina o céu
Todos morrem
Porque nada
É tão belo o quanto a vida.

sábado, 21 de agosto de 2010

Às 7:00


Eu queria falar da vida
Mas o que resta está morto e vesti o mesmo paletó

Finjo que existo só para causar polêmica na vida
E a morte já não mancha a manchete

Viver é a nova noticia.

Às 7:00 na mesma missa na mesma matriz no mesmo domingo
Somos todos irmãos
Vestidos de inveja para aperfeiçoar a semelhança

Na dieta da hóstia a alma morre de fome
Mas o insaciável cálice ainda transborda de artéria

Os lábios de Jesus me excitam
A cor racista dos seus olhos, me trai, amando o próximo.


Morro para fingir que vivi
Ressuscito para fingir que morri

E ninguém me perdoa.

Chamo o pai de Deus e a mãe de Virgem
Odeio os Judas e protejo as Madalenas

E ninguém me pontifica.

Os salmos me masturbam num erotismo de coroa, prego e cruz 
Os apóstolos na altura do meu falo:
Beijam o chão com os joelhos e lambuzam as mãos de profecia e suor.

E todos me apedrejam.

Eu queria revidar a morte na revanche da vida
Atirar a primeira pedra
E quem saberá que pequei se sou a insanidade alheia?

Eu queria falar da vida
Mas o que resta está presente e senti minha podre ausência

...Ardo ao fumo da palha seca e amarelo os lábios de fumaça,
A cabeça abana e a mão vai ao queixo consolando o pensamento:
Será justo?...

sábado, 31 de julho de 2010

Persona


 
Retribuo com a ausência os abraços que me aguardam 
 A distância vence o fôlego dos que se aproximam.

Quando me acham já não significo nada.

A noite de âmbar envolve minha luz em fóssil
A palavra não tem voz suficiente e diz apenas: Adeus.

É no piscar de cada asa das pálpebras que minha imagem se revela presente
O relance da noite das pálpebras é meu lar.

Esse ninho de piolhos abriga o espírito santo dos meus mitos.

Ato os passos em âncoras de pausa e marco o compasso frenético de uma marcha
O maestro batuta em vão seus arranjos.

Insistem os vitoriosos em me dar as mãos
Eu vou à lona por orgulho
Rendo-me por gentileza e exibo no peito a mira por ofensa à vida.

Sabem de mim
Mas eu nunca saí do meu obituário.

Palpitam sobre meus atos 
E eu nunca dei um gesto sequer de vida.

Insistem em me compreender
Então me dêem as mãos e fingiremos ser:

O passeio à beira rio na mera ilusão de margens plácidas
A visão Debret dos terreiros de suor negro da fazenda de Santa Helena. 

E quem sabe nossos nomes não se confundam ao se compreender que estou sozinho
Na mais sólida das solidões.

Percebo aplausos! 
E ao serem percebidos não passam apenas de passos da platéia indo embora:

Boas vindas aos que já foram e um adeus aos que chegam,
Assim começa o meu espetáculo.

sábado, 5 de junho de 2010

BUSCA


Pego o meu Sagarana e saio por ai
Busco nas Gerais o interior de minhas Minas

Meus passos de burrinho pedrês em rumos de toda sorte
Margeio os caminhos d’água no perigoso oficio do São Francisco

Água doce da fúria de 1979 corta o leito do meu vale:

De um lado, sou bom
D’outro sou eu mesmo

E é provável que eu exista na coincidência de que eu: Sou eu.
A hipótese da vida vencendo o fato do calvário

São vales onde eu não me entendo
São ecos onde eu não ressôo

Saio por ai
Meu Sagarana trama o fim deste coração também pedrês

O pé abolindo poeira no chão do Pontal
É a alforria das cores das coisas das opacas terras sesmeiras

...Pego o meu Sagarana.

Apenas a dor do outro reluz em mim.

quinta-feira, 3 de junho de 2010


  O Réquiem dos Miseráveis

A impressão corrupta de que existi vida na paisagem
Causa engarrafamento de hipóteses

O que não é, continua.
O que é, tenta.

Ser o “ser” das coisas constrangi a nudez da expectativa

Na majestade do horizonte os abutres encenam o réquiem dos miseráveis
Na crua carne da crueldade humana os carniceiros saciam sua bondade.

Similar às metáforas da bíblia:
Morro e ressuscito compulsivamente só para dar ao pai anônimo os dons de um Deus. 

Asas acenam, entre céu e azul, entre nuvem e branco, sem cor que dê ao nosso preconceito satisfação
A decomposição compõe na vida a inveja wagneriana aos rufos da marcha nupcial dos vermes.

No pálido das faces uma nova síntese sorri
No soluço das pálpebras
O significado acena:

Oculto.

segunda-feira, 1 de março de 2010

AO REVÉS


Busco na noite amputada restituir os membros partidos

O relógio segue a rota ao revés
Causando sombras de meio-dia em meus taciturnos passos

O âmbar eterno de suor e sumo
Sedimenta o impossível na biografia anônima

Todos me chamam
Cravando o suposto nome em grito áspero

Pela fresta farpada da porta anuncio que não estou

O cutelo traz na borda a coroa coagulada
O fim de minha sorte nas arrebentações de um piscar

Ainda é a madrugada da noite partida
A madrugada da despedida amputada
Do desejo aniquilado

Tudo sob a mais pura das intenções